“Porque o reino do poeta... bem, não me venha dizer que não é deste mundo. Este e o outro mundo, o poeta não os delimita: unifica-os. O reino do poeta é uma espécie de Reino Unido do Céu e da Terra.”

Mario Quintana

terça-feira, 28 de junho de 2011

Mario Quintana, um bruxo simpático e meticuloso por Antonio Hohlfeldt



Duas imagens sempre me ocorrem quando penso na poesia de Mario Quintana: ele era um bruxo, capaz de idealizar sortilégios, de encantar, de envolver, de produzir mágicas com palavras que, combinadas, eram como que fórmulas mágicas, espalhadas em versos e pequenos textos que ele designou como "Do Caderno H": também bruxaria? O que quereria dizer este "h"?

A outra imagem que Mario me provoca é a do artista profundamente meticuloso: jamais vou esquecer as infindáveis tardes que ele passava junto à sua mesa, na redação do Correio do Povo, a ler-se e reler-se, numa aparência distraída, até que, lá pelo final da tarde, como que numa hora combinada - hora em que a inspiração baixava? - ele começava a escrever, e logo tínhamos um novo poema seu.


Datilografando com dificuldades, quase dedógrafo - aliás, como eu - dois dedos, de preferência, às vezes quatro, Mario Quintana como que desenhava seu poema na página em branco do papel. Era como se ele apalpasse o papel através da batida nas teclas, compondo um desenho que, no entanto, ao invés de possuírem traços gráficos, apresentavam composições verbais que se podia depois soletrar. Assim se formava o poema.


Mario Quintana sempre suscitou a curiosidade, por mais simples que fosse sua vida. Mas como ele nunca casou, nem ninguém o viu com alguma namorada – seu único “caso” público foi a atriz e escritora Bruna Lombardi, com enorme diferença de idade, que ele conheceu numa das visitas da artista a Porto Alegre, e que se tornaria sua grande amiga – todo o mundo "imaginava" uma vida romanesca, cheia de mistérios e de incongruências para Mario Quintana. Afinal de contas, de onde ele tiraria a inspiração para os seus poemas?


E convenhamos que Mario ajudava a manter esse mistério: seus poemas que falam de becos sem saída, de anônimas casas em distantes arrabaldes, em pedaços de céu que desafiam os altos arranha-céus ou de árvores que se esgueiram por entre a poluição... as surpresas que ele preparava com poemas sobre velhinhas que dormitavam em cadeiras de balanço ou tenras crianças que experimentavam aventuras inesperadas... as sugestões que ele deixava em suspense sobre grandes paixões e esperas pela volta de enamorados distantes, retornos aliás sempre adiados...


Por trás de todas essas aparências, contudo, residia um poeta maior, um poeta que abordou alguns dos temas mais complexos e referenciais do século XX, da passagem da modernidade à pós-modernidade, da grande indagação do ser humano sobre seu próprio sentido. Afinal, quem, como ele, expressou tão bem as ambiguidades da passagem do tempo, da busca pela própria identidade, pela constante pergunta filosófica sobre o sentido do ser humano?


Mario Quintana lidou com aparentes fáceis imagens. Neste sentido, sempre aparentou ser um poeta “fácil”. Mas todos os que, de fato, dispuseram-se a ler, nas entrelinhas, a verdadeira poesia de Mario Quintana, não foi surpresa descobrir um poeta denso, complexo, profundamente sensível aos grandes temas da contemporaneidade, que expressou com ironia, numa espécie de auto-comiseração e espírito alerta, como que a nos dizer: - Não temam, leitores, nenhum de nós compreende isso, mas talvez por essa mesma razão, podemos nos permitir brincar com tal realidade, seguros de que, como aconteceu com aquele menino que virou o Anjo Malaquias, a Virgem Maria também virá nos salvar...

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